Dias atrás, mais um pastor deu cabo de sua vida. A repercussão
foi imediata. Tornou-se assunto de debates nas redes sociais, no final dos
cultos, na escola dominical, nos seminários. O que, afinal, levaria um pastor a
tirar a própria vida? O que poderia justificar tal desatino? Será que ele não
pensou na dor que causaria em seus familiares e amigos? Não pensou no escândalo
que geraria para a igreja? Proponho que examinemos honestamente a questão sem
pender para especulações teológicas acerca da possibilidade de um suicida ser
ou não salvo.
Para início de conversa, precisamos entender que o pastor é
um ser humano como outro qualquer. Assim como o grande profeta Elias, ele está
sujeito às mesmas paixões e angústias.
Tendo por base minhas experiências com suicidas em
potencial, inclusive pastores que me confidenciaram o desejo de tirarem sua
vida, elenco a seguir treze razões que poderiam levar um ministro do evangelho
a considerar tal possibilidade.
1 – Pressão por perfeição moral –
Se há alguém que não tem o
direito de errar, esse alguém é o pastor. Qualquer deslize no campo moral o
desabilitaria a continuar pregando o evangelho. Todos esperam que ele seja um
exemplo a ser seguido em todos os aspectos. Sua família deve ser a típica de
comercial de margarina. Seu casamento, irretocável. Seus filhos,
irrepreensíveis. Ele deve estar acima da média no desempenho de todos os seus
papéis sociais. Ao perceber-se inapto a atender a esta demanda moral desumana,
ele desaba.
“Não me sinto digno de ocupar aquele púlpito”,
Confessam alguns ao
se sentirem hipócritas cada vez que pregam sobre uma perfeição moral que não
são capazes de alcançar. Sentem-se como os fariseus denunciados por Jesus, que
colocavam sobre os ombros dos outros, o que não conseguiam carregar sobre os
seus. Em vez de pastores, acham-se impostores. Duas possibilidades lhes vêm à
mente: desistir do ministério ou desistir da vida. Caso optem pela primeira,
terão que conviver com o estigma de covarde e desertor; alguém que olhou para
trás e por isso não é digno do reino dos céus. Por isso, a segunda opção começa
a soar plausivelmente tentadora.
Se tirarem a vida, não estarão aqui para ouvir
piadinhas. Ouvem falar de colegas que são capazes de levar uma vida dupla. Mas
eles, definitivamente, não têm estômago para isso. Preferem a morte ao cinismo.
2 – Expectativas desumanas –
Por mais que se esmere, o
pastor nunca consegue agradar a todos os que lhe foram confiados. Todos têm
direito a férias. Exceto o pastor. Todos têm direito a um dia de folga. Menos o
pastor. Qualquer um pode ficar doente. O pastor, não. Todos estão sujeitos a
ter suas desavenças conjugais. O pastor, nem pensar. Todos contraem dívidas que
não podem pagar. O pastor, jamais! Os fiéis querem encontra-lo sempre
sorridente e bem disposto. Ao menor sinal de abatimento, suspeitas são
levantadas acerca de sua comunhão com Deus.
Se estiver de carro velho,
criticam-no por não ter fé. Como seguir a um homem que não tem fé para trocar o
carro todos os anos? Mas se estiver de carro novo, acusam-no de estar se locupletando
da fé dos irmãozinhos. Qualquer coisa que venha a fazer, tem que ficar se
explicando para não escandalizar aos mais fracos na fé. Se adoecer, prefere
manter segredo e sofrer sozinho até se recuperar. Chega ao ponto em que suas
forças se esvaem e acaba sofrendo um esgotamento nervoso.
O constante estresse
vai drenando suas energias até deixa-lo em frangalhos. Neste estado,
pensamentos suicidAs podem lhe ocorrer com certa frequência. Se lhe falta
coragem de atentar contra sua própria vida, ele apela a orações suicidAs ao
estilo de Elias e Jonas.
3 – Críticas e comparações –
Todos conhecem um pastor melhor
que o seu. Se é brincalhão, chamam-no de palhaço. Se é do tipo sério, chamam-no
de ranzinza. Se apresenta candidatos nos cultos, chamam-no de interesseiro. Se
se nega a fazê-lo, chamam-no de idiota alienado.
“Bom mesmo é o pastor Beltrano...”,
dizem alguns.
“Vejam como sua igreja está cheia!”
Se não o
comparam com algum pastor midiático bem-sucedido ou com o pastor de alguma
igreja próxima, comparam-no com seu antecessor:
“Aquele sim é que era pastor de verdade...”
Para convencer-se a subir ao púlpito a cada dia sem perder o prazer
de pregar, diz para si mesmo:
“Nem Jesus conseguiu agradar a todos, não serei eu que vou conseguir esta proeza.”
Esta desculpa pode até funcionar por um
tempo, mas chega uma hora que o que antes era prazeroso passa a ser penoso. O
friozinho na barriga é substituído pelo estômago embrulhado. As pernas bambas
por pés arrastados que sustentam pernas que parecem pesar uma tonelada. Se a
mensagem parar de fluir, o fim estará próximo. Não havendo razão para continuar
no ministério, talvez não haja mais razão para viver.
4 – Vida conjugal incompatível –
Boa parte dos pastores
casou-se cedo demais para evitar uma vida sexual ativa pré-marital. Em outras
palavras, casaram-se só para poder fazer sexo sem culpa. A mesma igreja que
exerce pressão para que os namorados se casem o quanto antes, faz pressão para
que tenham filhos logo em seguida. Mal começaram a aprender a conviver, e lá vêm
os filhos. Sem gozar de um tempo necessário para se adequar à vida conjugal, o
casal começa a enfrentar constantes crises. As relações sexuais vão ficando
cada vez menos frequentes. Os diálogos, raros.
A igreja passa a ser uma fuga
para o pastor que já não tem prazer de estar em casa. Sua libido é deslocada
para as atividades ministeriais. Alguns descambam para a pornografia. Outros
acabam se entregando a relações extraconjugais. E há até os que recorrem aos
préstimos de profissionais do sexo. Um número relativamente pequeno, embora
crescente, opta pelo divórcio mesmo sabendo do alto preço que terá que pagar. A
igreja prefere que o pastor e seu cônjuge exibam um sorriso hipócrita no
púlpito a vê-los realmente felizes e realizados.
Mal percebe que os elogios que
o pastor faz à esposa em público pode ser uma tentativa de salvar o casamento.
Para manter seu ministério intacto, o pastor prefere seguir em frente com seu
matrimônio de fachada e assim, ainda que não tire sua vida de uma vez, vai se
suicidandO à prestação.
A culpa não é dele, nem da esposa. A culpa é da pressão
religiosa que os fez contrair um matrimônio fadado a naufragar devido à
incompatibilidade. Podem até professar a mesma fé, mas são jugos desiguais.
Ambos infelizes tentando aparentar viver uma lua-de-mel infindável. Há casos
como o de Jó, em que o pastor ouve dos lábios da própria esposa a sugestão de
tirar sua vida.
5 – Sexualidade mal resolvida –
Sem dúvida, trata-se de um
terreno pantanoso. Mas ouso afirmar, com base em casos que me chegam ao
conhecimento, que o púlpito tem se tornado no armário no qual muitos escondem
sua verdadeira orientação sexual. No fundo, a igreja não tem problema com a
homossexualidade, mas com a verdade. Se o pastor for homossexual, porém,
discreto, mantendo sob sigilo absoluto sua orientação sexual, a igreja não o
rejeitará. Em vez disso, fará vista grossa a seus trejeitos femininos ou a
qualquer outra coisa que sugira uma homossexualidade enrustida, desde que
mantenha um casamento de fachada ou se declare celibatário.
Obviamente, a
primeira opção é a mais concorrida. Não são todas as igrejas que aceitam numa
boa um pastor celibatário. Viver uma mentira sempre será a pior das opções,
mesmo sendo a mais conveniente e socialmente aceitável. Sob o manto da
hipocrisia, alguns pastores procuram garotos de programa durante as madrugadas.
Outros se deixam envolver emocionalmente por membros de sua congregação,
vivendo uma espécie de amor platônico inconfessável. Outros acabam mantendo
sórdidos casos amorosos que, quando vêm a público, provocam escândalos
irreparáveis. No afã de evitar tudo isso, alguns se deixam seduzir pela
proposta suicida.
6 – Difamação –
“Os escândalos são inevitáveis. Mas ai de
onde vêm os escândalos”, teria dito Jesus. Quem ama a obra de Deus, jamais deseja
ser um estorvo a ela. Por isso, muitos preferem se anular, vivendo de maneira
inautêntica. Mesmo assim, são obrigados a suportar às más línguas de gente
inescrupulosa, invejosa e cruel. Trata-se de pessoas que ficam à espreita,
esperando um escorregãozinho que seja, ou ao menos um indício de que algo não
esteja correto, para saírem por aí detonando a reputação alheia. Infelizmente,
alguns prezam mais o seu bom nome do que a sua própria vida. Por isso, preferem
a morte a ver seu nome enlameado.
7 – Surto psicótico –
A mente humana é um impenetrável
labirinto em que muitas vezes se esconde um minotauro. Não subestime a sua
complexidade. Aquele homem polido, de fala rebuscada, elegantemente trajado,
pode ser um psicótico prestes a surtar, bastando um clique de uma situação
traumática e angustiante insuportável. O que muita gente julga ser sinônimo de
espiritualidade à flor da pele e manifestações de dons espirituais, pode não
passar de um surto psicótico. Ele vê coisas que ninguém vê. Ouve vozes
frequentemente. Suas mensagens se tornaram desconexas. É possível que esteja
surtando. Daí para um desatino pode ser um pulo.
8 – Culpa –
Todos pecam! Mas nem todos sabem lidar com a
culpa. Mesmo sabendo da disponibilidade do perdão divino, muitos pregadores da
graça se negam a perdoar a si mesmos. Vivem esmagados pelo peso da culpa. Nem
sempre por haver cometido alguma falta. Por vezes, se culpam por não serem tão
bons quanto gostariam de ser. Culpam-se por não atenderem às expectativas do
seu rebanho. Culpam-se pela falta de crescimento da igreja. Culpam-se até pelo
deslize de terceiros.
9 – Lidar com jogo de interesses entre membros –
Nada mais
desgastante do que estar no meio de um cabo de guerra. De vez em quando, Jesus
se via num fogo cruzado entre fariseus e saduceus. Nem Paulo escapou disso. Se
atende à solicitação de um grupo, acusam-no de predileção. Se não atende,
sentem-se preteridos. Se evita entrar em contendas, dizem que está em cima do
muro. O que resta ao pastor?
10 – Conflitos existenciais –
“Será que fui mesmo chamado para ocupar esta posição?”,
“seria esta a minha vocação?” ou:
“Eu acho que não passo mesmo de um embuste.”
São frases que insistem em ocupar a mente de muitos
ministros. Dentre os mais agudos conflitos existenciais, destaca-se o produzido
pela sensação de que a sua vida é mais lamentada do que seria a sua morte. Para
quê viver se a vida deixou de ser motivo de louvor a Deus? Quem se sente
confortável ao saber que sua vida se tornou motivo de queixa e murmuração?
11 – Solidão –
Não há classe mais solitária que a pastoral.
Ainda que cercado por uma multidão, o pastor se sente só. Ele tem seguidores,
mas falta-lhes amigos. Ele tem quem ouça seus sermões, mas poucos que se
ofereçam para ouvir suas angústias. Sabe que tudo o que disser poderá ser usado
contra ele. O amigo de hoje pode ser o desafeto de amanhã. Por isso, prefere
isolar-se. Mas o isolamento cobra caro à alma. Sem ter com quem se desabafar,
vai acumulando sentimentos nocivos até que um dia, explode.
12 – Depressão –
Não se trata de estar ocasionalmente
triste, mas de perder totalmente o ânimo pela vida. Elias pediu a morte quando
passou pelo vale da depressão. Jonas, idem. Ambos vinham de situações em que
foram ministerialmente bem-sucedidos. Elias havia acabado de protagonizar um dos
mais icônicos episódios do Antigo Testamento, fazendo descer fogo do céu ante
os olhos de todo o Israel.
Jonas havia testemunhado a conversão de toda uma
cidade através de sua pregação. O sucesso, porém, não os impediu de fazer a
oração suicidA. É possível estar dirigindo um carro do ano, morando num
condomínio luxuoso, com o nome estampado nas manchetes dos jornais, gozando de
notoriedade, e, ainda assim, ficar deprimido a ponto de não querer mais viver.
13 – Ingratidão, traição e abandono –
Se não quiser experimentar
tais coisas, não se meta com ministério pastoral. Todos os candidatos ao
pastorado deveriam ser avisados antes. A maioria só enxerga o glamour. Não
imaginam as noites mal dormidas, as enxaquecas constantes, as manchas no corpo,
o risco de um AVC fulminante, etc. Tudo isso é potencializado pela ingratidão
de que é uma vítima constante.
Pessoas a quem se dispôs a ajudar,
repentinamente, tornam-se desafetos e saem difamando-o sem dó, nem piedade. A
ingratidão costuma desaguar na traição, e, consequentemente, no abandono.
Justamente aqueles em quem confiou cegamente, são os que o abandonam nos
momentos cruciais de sua jornada. Sem chão e sem fôlego para prosseguir, a
morte passa a ser uma tentadora alternativa.
Apesar das razões elencadas acima, nenhuma delas deveria ser
suficiente para levar um homem de Deus a dar cabo de sua vida. Se deixarmos de
olhar para nós mesmos, e de nos distrair com as críticas dos que nos cercam,
não nos restará alternativa senão a de olhar firmemente para Jesus, autor e consumador
de nossa fé. Somente assim não desfaleceremos e cumpriremos nossa jornada sem
ter do que nos envergonhar.
Qualquer decisão nesta vida pode ser revertida, com exceção
do suicídiO. É mais necessário coragem para prosseguir do que para interromper
drasticamente nossa caminhada. Então, bola pra frente! Não é aqui o nosso
descanso!
"Por que estás abatida, ó minha alma, e por que te perturbas dentro de mim? Espera em Deus, pois ainda o louvarei, o qual é a salvação da minha face, e o meu Deus." Salmos 42:11